Ujatoba_pagan

Olha lá!

por Pagan Senior

Ocupei um cargo importante na administração municipal de São Paulo, pois era o responsável pelo planejamento da coleta de lixo na cidade. Mas na cabeça da minha filha de 8 anos, planejar era uma palavra que não tinha nenhum sentido. No seu imaginário não combinava seu pai recolhendo lixo pelas ruas, mas tudo o que ela conhecia a respeito era um saco azul na porta de casa e um caminhão passando na rua; todo o resto era ficção. Muitas explicações dadas resultaram que ela chegou à conclusão de que seu pai andava à frente do caminhão de lixo e, com seu olhar de lince, achava onde estava o malandro do saco de lixo fugitivo e apontava:

– Ali! Olha o lixo lá, vamos lá buscar!

Não era bem o caso, mas não teve jeito, foi assim que ficou até que ela pudesse absorver aos poucos algo diferente. Mas – e sempre tem um mas – houve um momento em que a fantasia dela se aproximou da realidade. Explico.

Tratava-se de fazer a primeira experiência de implantar a coleta seletiva de porta em porta em determinado bairro da cidade. O que é isso? Muita gente no próprio departamento não sabia, nunca tinha ouvido falar; o que dirá a população? Como assim separar o lixo? Começou uma empreitada de comunicação aos moradores, explicando o que se separava para a reciclagem, o que seria mantido como lixo comum, como separar, onde guardar e por quê separar e guardar. Foram convocadas pequenas assembleias de moradores para explicar, mas o que realmente funcionava era bater à porta e conversar.  Isso, meudeusdocéu, era completamente novo. Mais algumas reuniões definiram qual seria a contrapartida pretendida pela população. E chegou o grande dia de começar.

Um caminhão havia sido preparado para receber diferentes tipos de resíduos e foi indo pelo roteiro estabelecido. Meio quarteirão à frente iam nossos “agentes” batendo à porta das casas e falando com as pessoas.

– A senhora separou o lixo para a reciclagem?

Não, Não tem importância, se der para separar agora a gente espera, senão semana que vem neste mesmo horário, tá?

De porta em porta, íamos todos: funcionários, diretores de divisão e eu próprio. Durante algumas semanas acompanhei pessoalmente esse enorme esforço de conscientização e educação ambiental. Posso dizer que valeu muito a pena, não só porque a coleta seletiva, com toda sua importância implícita, foi levada às casas das pessoas,  mas pelo enriquecimento pessoal de todos envolvidos ao contatar tão intimamente a população, pela demonstração a essas mesmas pessoas da importância que estava sendo dada ao projeto e por perceber o valor do contato humano para validar e viabilizar qualquer iniciativa.

Sim, já ia me esquecendo: fui, sim, à frente do caminhão, procurando aquele lixo fugitivo muito do malandro…

Crianças às vezes sabem das coisas antes delas acontecerem.

 

Pagan Senior é engenheiro civil, com atuação institucional na área de Coleta Seletiva e Reciclagem na Cidade de São Paulo. É também ator diletante.

Pagan Senior escreve às quintas-feiras aqui no Universo Jatobá.

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