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Sem noção

por Pagan Senior

Salo Negrão. Velho jornalista, homem culto e bom contador de histórias. Seu percurso profissional já o levou para um lado e para outro sempre se valendo dos atributos acima. Já teve temporadas de leniência, mas recuperou-se e hoje comanda um simpático programa matinal onde, além de escolher dentre seus conhecimentos musicais, comenta noticiário da grande e da não tão grande imprensa. Muito bem relacionado, traz pessoas por quem nutre admiração e compartilha com os ouvintes.

Bom de ouvir. Nem sempre, aliás quase nunca, concordo com sua linha, mas tenho que concordar com o talento que tem para comunicação. E não é o único. Há outros de quem discordo visceralmente, mas não consigo deixar de admirar o talento.

Mas tem dias em que exagera e a expressão “sem noção” lhe cai como uma luva. Outro dia, para ilustrar a ineficiência da polícia, acabou misturando as frequências e referiu-se às pessoas que tem preocupação com os direitos humanos mesmo de criminosos, como “ a turma dos direitos humanos”. Sem noção!

Agora, rebaixou-se a um mau gosto machista de dar dó!

“Um piano de cauda, um tanque de lagostas vivas para serem preparadas sempre que tenha fome, uma dúzia de garrafas de vodka Grey Goose, 3 geladeiras de cerveja Duff original, uma academia privada, um som estéreo extra-grande, toalhas extrafelpudas brancas  com monograma dourado, pantufas de veludo, um aro para prática de bola ao cesto, uma mesa de ping-pong, um massagista extra power com conhecimentos de acupuntura”,  e assim por diante… Esta é parte das exigências do astro da vez ao se hospedar na cobertura do hotel Toptop.

Achando tudo divertido, o jornalista, ao enunciar tal lista,  resolveu perguntar ao velho romancista seu amigo quais seriam suas exigências, se fosse o caso.

Este não titubeou em parodiar o tal astro, enunciando uma lista de excentricidades, porém da área cultural; tipo assim: uma edição completa da Enciclopaedia Britannica incluindo os “Livro do Ano” da década seguinte, a coleção completa dos discos de Cole Porter em vinil, Estúpido Cupido com Celly Campello em 45 rpm,  o Caderno de Cultura do Jornal do Brasil de 12 de dezembro de 1958, a última entrevista de Carlos Lacerda traduzida para o holandês, etc, etc. E arrematou: – “E três tenistas russas !”.

Quando um galo se põe a cantar no terreiro, o outro ou cacareja ou canta mais alto. E foi o que o velho jornalista fez: – “Eu me contento só com as tenistas russas, mas de saiote !”

Tem graça?

Ocorre que não conheço pessoalmente Salo Negrão, mas por coincidência temos círculos de relacionamento que se tangenciam. Claro que ele não sabe de mim, mas eu sim sei dele. E sei de sua linda história amorosa. E fico pensando o que será que fica pensando sua amada mulher, companheira de décadas, solidária nos bons e maus momentos, ao ver ou ouvir seu marido fazendo uma gracinha tão sem noção quanto essa.

Sim, porque dá para imaginar o quase octogenário senhor tendo que dar conta das três tenistas russas, com seus respectivos um metro e oitenta e cinco cada, potentes braços a sacarem com efeito pra cima dele, uma após a outra, insaciáveis, smash após smash, voleio após voleio, backhands cheios de spin, top spins impiedosos, deixadas venenosas junto à rede…. ? E ele, coitado, encurralado no fundo a quadra, pedindo pelo amor de deus para aquilo acabar antes que acabe ele próprio.

E finalmente encontro a razão dele ainda ter esclarecido que queria as três tenistas russas “de saiote”.  Sim, claro, pra lhe servir de babador quando elas, piedosamente, vierem socorrê-lo de sua síncope.

Salo, não fica bem. Você é um formador de opinião. Não pode falar por falar, e incentivar um machismo desse naipe, achando que é engraçado. Eu, não acho.

 

Pagan Senior é engenheiro civil, com atuação institucional na área de Coleta Seletiva e Reciclagem na Cidade de São Paulo. É também ator diletante.

Pagan Senior escreve às quintas-feiras aqui no Universo Jatobá.

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