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Passou do meu ponto

por Pagan Senior

De repente passou do meu ponto. A avalanche de noticiários pessimistas, derrotistas, catastrofistas que assola nossos meios de comunicação e, por conseguinte, nossas casas me saturou. Sem entrar no mérito de ser ou não verdade, mas com toda certeza deixando evidente a intenção de me influenciar, cheguei à conclusão de que já estou suficientemente informado em termos macro e que dispenso os detalhes micro como aditivo ao meu café da manhã. Prefiro sucrilhos. Chega. Cancelei a assinatura do jornal diário.

Passei a assinar uma revista. E isto virou um problema, pois trata-se de uma revista que traz o tipo de matéria que me interessa. Não discute política, não tenta fazer minha cabeça – ou se o faz, é muito hábil em fazê-lo sem me deixar perceber – e apresenta matérias extensas onde esmiúça os assuntos de forma profunda. E sua leitura toma muito tempo, além de requerer ser digerida. Resultado: após 1 mês – sim, a revista é mensal – já está chegando o número seguinte e ainda não li tudo. Dou uma batida de olhos nas matérias ainda não lidas e me deparo: “Canadá planeja extinguir os carteiros”.

Essa “manchete” disparou um questionário dentro de mim. Como assim? O que isso significa? As pessoas não mandam mais cartas? Será que a comunicação digital chegou a esse ponto no hemisfério norte? E um turbilhão de outras perguntas, hipóteses, formulações e dúvidas povoaram meu resto de manhã. Tentei o raciocínio inverso: Quando e porquê se instituiu o serviço de carteiro? Ah, as pessoas escreviam suas cartas e mandavam seus próprios portadores entregarem aos destinatários. Quando as distâncias aumentaram inventaram o serviço postal. Beleza. Você entrega sua carta num coletor coletivo (não é trocadilho) e o carteiro passou a ser o portador coletivo que leva da central de distribuição até a casa do real destinatário.

E quando e por que isso deixou de ser interessante? Logo imaginei a moçada nos seus smartphones, a comunicação instantânea pelos WhatsApps, Instagrams e Facebooks da vida. Pobre correio! Outro dia descobri que durante o reinado do e-mail (também já em extinção) chamavam correio de “snail-mail” (corrreio-lesma em tradução livre).

O próprio telefone está ameaçado. Veja o que coletei outro dia na página de uma mãe atônita:

…aí vc sai de casa numa sexta à noite, morta de sono, prá levar as filhas na balada… 6 quadras depois, elas ainda não conseguiram o endereço da amiga…porque estão no face em 3G, com 0,5% de bateria, esperando a amiga estar online prá perguntar…e eu “mas e aquela velha tática sabe…telefonar prá ela ?” …ao que me esclarecem “mãe, ninguém usa telefone, ninguém tem o número de ninguém !” ….então percebi duas coisas 1) estou velha mesmo; 2) a tecnologia pode emburrecer de verdade.

Deixe-me esclarecer que a mãe em questão não está velha, flana por todos esses aplicativos – e em inúmeros outros – com desenvoltura. Já abandonou a máquina de escrever há muito tempo, mas apenas se nega a emburrecer, ou seja,  preserva a capacidade de escolher o recurso mais adequado para cada situação, tipo assim (expressão em voga no meio da moçada): telefone para conversas imediatas, curtas ou longas,  incluindo ouvir a voz e o tom do interlocutor;  WhatsApp para comunicações curtas preferencialmente coletivas, Instagram para fotos, Facebook … etc, etc, etc. Ah, o SMS também anda meio por baixo.

Acabei lendo a tal matéria e descobri que na verdade o que está sendo extinto é a entrega em domicílio. Estão reinventando a velha caixa postal.

Bem, cada um escolhe o que mais lhe convém. Mas fiquei pensando como os carteiros do Canadá receberiam a informação da dispensa. Seria por carta? E quem entregaria a carta? Que ironia!

 

Pagan Senior é engenheiro civil, com atuação institucional na área de Coleta Seletiva e Reciclagem na Cidade de São Paulo. É também ator diletante.

Pagan Senior escreve às quintas-feiras aqui no Universo Jatobá.

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