Parodiando Antonio Prata
Fiquei honrado. Outro dia alguém comentou que minhas crônicas lembram o Antonio Prata. Nada mau, afinal ele é autor publicado e considerado um dos destaques da nova geração. Não tenho pretensões nem a ser destaque nem – missão impossível – ser nova geração. Mas outro dia li uma dele no jornal – que genial! – era uma “crônica estepe”… uma que se você estiver lendo é porque ele falhou em entregar a daquele dia. E põe-se a imaginar as razões que terão – veja bem, no futuro – impedido dele cumprir sua agenda.
Vocês já sabem que Rosana Jatobá não brinca em serviço e tão logo meu estoque baixa de 8, manda ligar lá pra casa:
– Como é, acabou a inspiração?
Nem sei se a história dele é verídica ou bem inventada, mas mesmo assim resolvi me aventurar e parodia-lo. Lá vou eu!
Naquele dia que será o dia do grande dia em que não escreverei, por que será que não escreverei? Já sei:
– Pagan, Pagan, me ajuda! Gritava o Ernesto sacudindo minha porta.
– O que foi, o que foi? Peraí que já abro!!! Corro, vestindo um roupão.
– É minha mulher; acho que a vesícula dela estourou! Bem que eu falei que não era pra adiar essa cirurgia!!!! Me ajuda, vamos pro hospital.
Mas não é melhor chamar o médico, a ambulância, sei lá…
– Vamos homem, que ambulância que nada, não dá pra esperar, ela tá subindo pelas paredes, não tá ouvindo os gritos? Vá manobrar o carro que eu desço com ela!!!
Ainda balbuciei que tinha que escr… Não, não podia faltar com o Ernesto, vizinho de tantos anos e amigo fiel para as boas e nem tão boas horas.
Maldição, eu não precisava ter dado aquela passadinha na Bodega do Ricardo. Lá, o papo regado a bom vinho sempre se alonga; “esse Carmenere é autêntico, de Médoc”, “agora este Porto Tawny 30 anos, exclusivo da casa…” Pronto, já estou meio “pralá“ e essa crônica não vai ser fácil. Agora o Ernesto e isso vai levar a noite toda. A Rosana me mata!
E antes disso? Bem, também tem meu trabalho, né?! Outro dia fui ao teatro e a mulher perguntava ao público: – O senhor aí, faz o que?
O rapaz respondeu: – Sou ator.
E ela: – Sei, mas o senhor não tem uma profissão?
E ele, espantado: – Tenho, sou ator.
Ela, de novo: – Mas uma profissão de verdade o senhor não tem?
O público rolou de rir, mas eu não. Oras bolas, rolarem de rir porque o cara é ator e ela, que também é atriz, dizer que deve ter uma profissão de verdade para se sustentar! Essa é a minha triste realidade, mas não precisava expor desse jeito!
Muito mais cedo, antes do trabalho de verdade que vou fazer questão de omitir aqui, o imprevisto foi meu periquito – quase loro. Acordou rouco e fiquei preocupado. Não dá pra levar periquito em veterinário, fui então até a loja de aves no outro quarteirão e conversei com seu Ernesto. Não, não é o vizinho, só o nome é igual. Levei um liquidinho para misturar na água do bebedouro. Devia funcionar. Ah, essas mudanças de clima…
Ainda corri –me arrastei, melhor dizendo – para desencravar uma unha do dedão do pé. E já é hora do trabalho. Na hora do almoço o chefe, já de olho em mim, me convocou para uma conversinha. Escrever, nem pensar.
Volto exausto do hospital às 3 e meia, atiro-me no sofá “só pra descansar os olhos… não posso dormir, senão tô fu..”…
Estavam todos lá: Dr. Thomas explicava meu caso e os riscos de gravidez extrauterina em homens… Rosana, após solenemente enaltecer minha dedicação e compromisso, agora discutia discretamente meu espólio com o Dennis: ela ficaria com minhas cinzas para adubar sua hortinha orgânica, ele com a urna para decorar um cantinho zen. O altarzinho ia ficar muito chique.
Enquanto Debora discorria sobre como lidar com essa “passagem”, Camila exaltava a harmonia entre a estola e a casula do sacerdote, em tecido sustentável… Ricardo, compungido e um pouco culpado, servia um Malvaxia especial para missas.
Putz da Vida, dedo em riste, apontava seu maçarico giratório: “Isto é uma farsa, isto é uma farsa! Ele tem uma crônica estepe! A mulher do Ernesto está aqui toda faceira e ele nunca teve um periquito!!! Isso é uma farsa! Está rindo de todos nós!
Será que cola, ou me matam de verdade?
Pagan Senior é engenheiro civil, com atuação institucional na área de Coleta Seletiva e Reciclagem na Cidade de São Paulo. É também ator diletante.
Pagan Senior escreve às quintas-feiras aqui no Universo Jatobá.
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