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Cacildo e sua moto

por Pagan Senior

Me distraí só um pouquinho e não respeitei o espaço virtual entre a primeira e a segunda faixa da esquerda e pronto: Um Pi! Pi! furioso seguido de um braço me indicando impaciente que eu tenho que ir mais à esquerda. E mais: um jocoso menear de cabeça como a dizer “não é possível dirigir tãããão mal”.

Minha carteira de habilitação é do tipo A/B, o que significa que posso dirigir carros particulares e motos. Durante 11 anos moto foi meu veículo oficial para passear, trabalhar, levar criança para escola, com sol ou chuva. Tomei meus tombos e me levantei deles com alguns “ralados” ou até um pouco mais.

A moto é um veículo ágil, rápido, fácil de estacionar e se enfia em qualquer pequeno espaço. Filas e filas de carros estacionados e lá ia eu serpenteando entre elas até o farol fechado. Saía rapidinho quando pintava o verde e repetia tudo no próximo.

Só que algumas coisas mudaram desde que “abandonei o esporte”. Na cidade de São Paulo hoje trafegam algumas centenas de milhares de motos. O perfil do usuário então…Ainda há os velhos de guerra que têm aquelas enormes Harley-Davidson ou outras motos potentes; eles as utilizam como puro lazer; há os que usam moto para ir e voltar do trabalho ou escola e há um enorme contingente de prestadores de serviço que fazem basicamente entregas de documentos, pequenos volumes, etc.

Sem entrar em juízo de valor dessas categorias, o que importa é que, até pela quantidade, o trânsito teve que se acostumar com essa nova modalidade de veículo em escala “global”. Uma grande modificação nos usos e costumes se impôs. Lembro-me que eu trafegava – conforme instrução recebida quando das aulas para habilitação – no meio da minha faixa, ultrapassava pela esquerda como um carro e só usava o “corredor” quando os carros estavam parados aguardando o verde.

Ouvi uma lúcida entrevista em que o dirigente de alguma organização representativa de alguma categoria de usuários de motos – não me lembro qual nem sua abrangência- explicava como está se impondo esta nova cultura no trânsito; que não faz sentido a moto ficar limitada ao comportamento de um automóvel, que o sucesso da moto como opção de transporte individual reside justamente na sua agilidade, além da razão econômica.

De fato, há um acordo tácito entre carros e motos de que estes podem usar o corredor entre as duas faixas mais à esquerda – e os carros facilitam mantendo esse espaço mais amplo e desocupado. Também, quando a última faixa é exclusiva de ônibus, como os motoqueiros não gostam da companhia dos ônibus, o corredor liberado se desloca mais uma faixa à direita. Mas alguns desvios começam a se consagrar como a nova ordem que se impõe. O motociclista se comporta como se nada tivesse o direito de retarda-lo por um instante sequer. Farol fechado? Uma rápida avaliação e zuuum, vambora! Carros a 60 km/hora na rodovia? Corta esse, corta aquele, passa no meio de dois e vambora! Não dá para passar pela direita? Passa pela esquerda, pelo centro, por cima, vale tudo. Vambora! Tudo para garantir a rapidez desse herói. Os carros que se encolham e nada de mudar de faixa, pelamordedeus, de jeito nenhum, isso é exclusividade da moto; E se o fizer vai tomar o famoso Pi! Pi! furioso, o braço ordenando se recolher à sua insignificância e ainda o famoso menear negativo da cabeça para tamanha barbeiragem.

Mas a pergunta que me fica é: como seria se SÓ existissem motos. Como seria o regramento do trânsito? Passar por qualquer lado estaria liberado? Seria o salve-se quem puder, a lei do mais forte, ou esperto? Não haveria regras? Nem uminha? E se duas motos resolvessem cortar ao mesmo tempo?

 

Pagan Senior é engenheiro civil, com atuação institucional na área de Coleta Seletiva e Reciclagem na Cidade de São Paulo. É também ator diletante.

Pagan Senior escreve às quintas-feiras aqui no Universo Jatobá.

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