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A vida sexual do tio Willy

por Pagan Senior

Em teatro às vezes usamos uma técnica no desenvolvimento de uma encenação que consiste em ensaiar uma cena somente com as ações físicas e, ao invés de palavras, tenta-se transmitir o conteúdo utilizando uma língua chamada Gromelô. Usam-se todas as entonações e intensidades de voz que será usado no texto, mas nessa língua imaginária. Pois bem, preciso contar a história do tio Willy.

Há um dito popular que afirma que visita em casa é igual a peixe na geladeira: depois de dois dias fede. Pode parecer exagero, mas algum fundamento deve ter. A parte do peixe é garantida. Ocorre que nunca ninguém contou isso lá no Canadá, não faz parte do folclore deles, ou as geladeiras deles são melhores que as nossas, do que eu não duvido. O fato é que um belo dia, em plena primavera apareceram tio Willy e tia Noemi, parentes distantes.

Ela, muito quieta, mas ele estava sempre em ebulição, seus olhinhos apertadinhos e espertos a tudo acompanhava, percebia, era rápido no gatilho, observava com precisão e sua metralhadora não perdoava. E gostaram tanto dos ares daqui, nosso verão, nossa hospitalidade, nossas frutas – dizia que, na sua idade, um caqui era o que mais se aproximava de uma relação sexual – que foram ficando enquanto, sorrateiramente, o verão avançava sobre o outono.

Após um período inicial em que eram levados a todas partes, resolveram – quer dizer, ele resolveu – que não queriam incomodar, então saiam a passeio sozinhos e se aventuravam pela cidade. Iam a museus, visitavam outros parentes, subiam ladeiras, descansavam nas praças; e para esse roteiro tomavam ônibus. Tínhamos preocupação com relação a isso, mas ele afirmava confiante:

– Pode deixar que eu sei falar português.

Claro que todo mundo entendia isso como uma brincadeira. Menos ele. Tinha observado como falávamos, nossos gestos e o tipo de som que fazíamos e, na posse desse arsenal, acreditava que podia se comunicar. Não sei se acreditava nisso, mas agia como tal e, de fato, ele dominava o Gromelô.

Conseguia falar de forma que se você não estivesse prestando atenção, poderia pensar que ele falava português. Tem gente que tem essa capacidade, depende de um bom ouvido. Aliás, tenho uma neta de dez anos que consegue falar minutos e minutos a fio e você jura que ela está falando inglês. Voltando ao tio, subia no ônibus e de cara se dirigia ao motorista formulando uma pergunta em Gromelô. E de alguma maneira funcionava, porque todo final de tarde eles chegavam de volta à casa, felizes com suas aventuras.

Mas chegou o dia em que a brincadeira quase acabou mal. Dentro do ônibus ele sentou ao lado de um sujeito e resolveu “puxar conversa”. E dá-lhe Gromelô! Mas o sujeito não tinha espírito esportivo e quando ele soltou algo do tipo “andavái ficanaputa xumpanamama” o fulano parou e ficou olhando, sem acreditar se tinha ouvido direito o que o velhinho lhe dizia.

Aí tio Willy abriu os braços, deu de ombros e gromelou algo interrogativamente. A fúria foi instantânea. Foi um deusnosacuda, gente apartando, argumentando e tia Noemi puxando tio Willy pelo braço e desceram rapidinho, enquanto a turmadodeixadisso agia para abafar o bafafá.

À noite, em casa, dessa vez tia Noemi contava e ria a bandeiras desfraldadas enquanto tio Willy fechava a cara, macambúzio. E não tinha como ele entender que andara “batendo na trave” de xingamentos que realmente não se fala para estranhos. O inverno já vinha chegando, sinal de que era hora de ir embora. Era uma opção de vida do casal aposentado: verão o ano inteiro! Iam bater em outra freguesia. Mas voltaram mais umas três ou quatro vezes ao Brasil, porque, segundo ele, não existia vida sexual melhor do que no Brasil. Ele se referia aos caquis.

Vocês me desculpem, mas dia desses vou ter que voltar a esta história, porque ela tem desdobramentos super interessantes. Aguardem.

 

Pagan Senior é engenheiro civil, com atuação institucional na área de Coleta Seletiva e Reciclagem na Cidade de São Paulo. É também ator diletante.

Pagan Senior escreve às quintas-feiras aqui no Universo Jatobá.

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