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A sogra

por Pagan Senior

Tenho um amigo que tem uma sogra. Nada de mais, muita gente tem. Mas esse amigo tem um probleminha com a sogra. Nada de mais, quase todo mundo tem. Mas qual é o problema? Ela se mete na vida dele com a mulher? Não. Ela influencia as crianças? Não. Ela se omite e não ajuda em nada além de se enfiar em casa e nunca mais ir embora? Não. Então qual é o problema?

– É peculiar: ela entra no carro e lê placas.

– ????????????? . Como assim “ela lê placas”?

– Mais ou menos assim: Proibido estacionar ou parar; Término. Proibido estacionar.

Estacionamento permitido para taxis na faixa branca. Marginal Pinheiros, Morumbi em frente.

Proibido estacionar. Faixa permitida somente para Conversão. Empório Bomfim, Proibida Conversão à esquerda. Amarrações para o Amor, pagamento somente após sucesso. Proibido estacionar. Padaria Sucesso dos Pães. Permitido com Cartão Azul das 10:00 às 17:00 hs, sábados após as 13:00 hs, domingo livre …..

– Mas você não pode pedir para ela parar com isso?

– Já fiz isso, com toda educação; ela para, mas dali a pouco se descontrola e as placas voltam como bolhas de ar na fervura, como repentes irreprimíveis, como sustos.

Esse festival literário, mesmo sem os armarinhos e amarrações para o amor, me fizeram lembrar de um episódio.

Certa ocasião me inscrevi para fazer um curso de direção avançada. Queria me aperfeiçoar em técnicas de direção, aperfeiçoamento de planejamento, direção defensiva, manobras de risco, etc., e em certo momento saí com o instrutor – um inglês – pelo trânsito de São Paulo, tentando aplicar ao máximo as orientações e instruções que recebera ao longo das aulas teóricas e das simulações.

Após dirigir por quase duas horas nas mais diversas situações e receber algumas observações, o inglês soltou um longo suspiro e observou: “Vocês estão mais para malabaristas do que para motoristas!”

Olhei intrigado. Ele voltou: “Olhe para a frente, não para quem fala no banco do passageiro!”

Obedeci e ele continuou:

– Quando nós, ingleses, dirigimos, temos certeza de quase tudo à nossa volta. Sabemos que as placas nos dão informações corretas, sabemos que os pedestres vão atravessar nas faixas, que os motoristas vão respeitar as placas e as leis de trânsito, que os semáforos funcionam e que serão respeitados tanto pelos de uma via quanto de outra. E mais. As ruas são asfaltadas e sem buracos.

E prosseguiu:

– Aqui vocês não podem andar em linha reta sem cair num buraco; qualquer pessoa em qualquer ponto nos quarteirões pode resolver atravessar a rua e simplesmente descem da calçada e tentam achar um buraquinho no fluxo do tráfego para passar; motocicletas estão acima de todas as leis e com direito a estar em qualquer faixa e principalmente entre as faixas; as placas contam romances inteiros e levaria minutos para serem lidas inteiramente; os semáforos estão frequentemente fora de combate; você nunca sabe se o carro que vem na outra rua vai ou não respeitar a luz vermelha.

Agora quase aos gritos:

– E vocês tem que “negociar” todos esses fatores todo o tempo!!!! O que é que eu estou fazendo aqui??? Ensinar o quê para vocês? Vocês já são os melhores motoristas do mundo!!! Sabe quantas placas eu contei em um único quarteirão? 42! 42 placas para serem lidas ao mesmo tempo em que você dirige! Vocês deveriam contratar co-pilotos só para lerem as placas!!!

Aí é que entra a história da sogra. Meu amigo é, na verdade, um ingrato. Ao invés de agradecer, fica difamando a coitada, só porque é sogra. Baita preconceito.

 

Pagan Senior é engenheiro civil, com atuação institucional na área de Coleta Seletiva e Reciclagem na Cidade de São Paulo. É também ator diletante.

Pagan Senior escreve às quintas-feiras aqui no Universo Jatobá.

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